As medidas protetivas de urgência foram introduzidas no sistema jurídico brasileiro com a edição da Lei nº 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006, a qual passou a tipificar e definir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Conhecido como Lei Maria da Penha, esse diploma legislativo definiu as formas da violência doméstica contra a mulher, como sendo: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, independe de sua orientação de gênero. A Lei abarca os diversos abusos perpetrados contra as mulheres, no convívio doméstico, no campo familiar ou em relações íntimas de afeto, sendo aplicada aos maridos, namorados, companheiros (que morem ou não no mesmo lar), atuais ou pretéritos, que agridem, ameaçam ou perseguem a mulher, outros membros da sua família (como mãe, filhos, netos e cunhados) ou que morem ou frequentem a casa, mesmo sem ser parentes (a exemplo da situação da empregada doméstica).
Com um objetivo cautelar, a mesma lei previu medidas protetivas, que protegem a ofendida e obrigam o agressor, estabelecendo, além dos necessários programas de atendimento multidisciplinar de proteção à mulher, medidas de urgência contra o agressor, a exemplo de: afastamento do lar, proibição de aproximação e contato, suspensão de porte de arma e restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, que, eventualmente, estejam sendo atingidos pela situação de violência.
No âmbito do Direito Penal, as medidas protetivas visam estabelecer medidas cautelares específicas, diversas da prisão preventiva (naturalmente mais grave), para gerar mais confiança e segurança às vítimas de violência doméstica até conclusão do procedimento investigativo e processamento e julgamento da respectiva ação penal.
Já no Direito de Família, o objetivo do legislador é, certamente, proteger as relações familiares e afetivas, que, quando conflituosas e violentas, precisam de uma intervenção estatal através de institutos processuais que visem dar uma rápida resposta jurisdicional, nos planos material e processual, no sentido de salvaguardar a dignidade e integridade de todos os envolvidos.
Na seara das relações familiares, os conflitos de interesses se baseiam nas emoções, estando sempre envoltos em questões que clamam por rápida solução, tais como a guarda e criação dos filhos, os alimentos, a integridade física e moral, a preservação e divisão dos bens, a tudo somado a fragilidade psíquica, sensibilidade dos componentes da família e dificuldade de ruptura de relações afetivas.
Nesse contexto, confundindo os motivos individuais e as propostas jurídicas, muitas mulheres (mães) vêm distorcendo a utilização do amparo protetivo estatal e requerendo, a partir de falsas imputações, a concessão de Medidas Protetivas, com o objetivo de vingança pessoal.
Em grande parte dos eventos, a busca pela medida de urgência tem a finalidade de impedir o convívio entre pais e filhos, garantido pelo instituto da guarda compartilhada. Isso porque, como a guarda compartilhada é concebida com intuito de privilegiar a igualdade entre os genitores, permitindo a convivência dos filhos com ambos e evitando uma ruptura da relação do menor com o genitor que não detém a guarda, muitas mulheres vêm registrando falsos Boletins de Ocorrência para pedir a concessão de Medida Protetiva e, consequentemente, lastrear injustificados pleitos de guarda unilateral na seara do Direito de Família, na contramão do avanço legislativo que, a margem de dúvidas, atende ao princípio do melhor interesse do menor.
De fato, a guarda compartilhada permite ao genitor (não guardião) – na sua grande maioria, homens –, a continuarem participando da vida e rotina do(s) filho(s). Assim como se dava no período em que havia a relação conjugal, é garantido a ambos os pais o convívio partilhado, devendo prevalecer o melhor interesse do menor, garantia que acaba comprometendo anseios egoísticos de afastamento do ex-companheiro da prole comum para constituição de “nova família”.
Valendo-se do abrigo judicial previsto na Lei Maria da Penha, um crescente número de mulheres (mães) afirma serem vítimas de algum tipo de violência doméstica e, mesmo nos casos em que o genitor jamais tenha praticado qualquer ato de violência contra os filhos, utilizam-se da proteção estatal para dificultar – ou, até mesmo, impedir – a adequada convivência e contato do genitor com a prole comum.
Sem grandes questionamentos e, na maioria das vezes, sem qualquer prova concreta, dissimuladamente, sob alegação de “proteção ao menor”, mulheres (mães), em exercício abusivo de seu poder familiar, têm deferido a seu favor, através de medida de urgência, o impedimento de contato por qualquer meio de comunicação com a suposta vítima (mãe) e com seus familiares, o que ocasiona um imediato afastamento do genitor do(s) menor(es), tolhe o pleno exercício do poder familiar do pai e viola o artigo 1.634 do CC, introduzido pela Lei nº 13.058/14 (Lei da Guarda Compartilhada).
Sem adentrar na questão do inquestionável dano emocional que pode ser causado na criança ou adolescente, é importante chamar a atenção que tal conduta caracteriza crime e pode gerar graves consequências nas searas do Direito Penal e do Direito de Família, especialmente diante da previsão legal da Alienação Parental.
No Direito Penal, ao registrar uma ocorrência policial falsa e pleitear Medidas Protetivas desnecessárias, a pessoa poderá incidir nas penas do crime de “denunciação caluniosa” (art. 339, CP). Além disso, em casos de simulação de situação de violência para provocar alguma ação policial, por exemplo, a conduta pode ser enquadrada como “comunicação falsa de crime ou de contravenção” (art. 340, CP). O enquadramento típico irá depender da conduta realizada, ou seja, se vem ou não a ser instaurado o inquérito policial, procedimento investigatório criminal ou processo judicial.
No Direito de Família, ao seu turno, o genitor prejudicado com um falso registro de ocorrência – utilizado ardilosamente para a concessão das medidas restritivas previstas na Lei Maria da Penha – pode requerer o amparo previsto na Lei nº 12.318/10 (Lei de Alienação Parental). Isso porque, o legislador, através da referida lei, definiu como uma das práticas de alienação parental o comportamento de “apresentar falsa denúncia contra o genitor” (art. 2º, VI), que objetiva afastar o pai da sua prole.
Como cediço, a Ação de Alienação Parental é justificada pela necessidade de proteção do direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável e tem como objetivo punir ou inibir aquele genitor que descumpre os deveres inerentes à autoridade parental, à tutela ou à guarda do menor, possuindo, dentre as suas consequências, sanções que vão desde o acompanhamento psicológico ou aplicação de multa até mesmo à perda da guarda da criança ou adolescente.
Todavia, aparentemente, as previsões criminais e cíveis diante dos casos de falsas denúncias não inibem esse tipo de conduta, fazendo com que a Lei Maria da Penha – que originalmente objetiva o combate à violência doméstica contra a mulher – seja utilizada como instrumento de vingança pessoal, deturpando a sua finalidade social e comprometendo o desenvolvimento psicossocial de muitos menores.
Como citar esse texto: ALBAN, Rafaela; BAPTISTA, Helen. Falso registro de ocorrência e Medidas Protetivas: consequências sociais e jurídicas. Disponível em: www.rafaelaalban.adv.br.
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